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quarta-feira, 28 de abril de 2010

entrevista a Bettencourt

O novo treinador, a ligação com Costinha, a relação com Jorge Mendes e as mudanças que possibilitarão ao clube encarar a próxima época com mais otimismo. De tudo falou o presidente do Sporting.

- Quais os motivos que presidiram à escolha de Paulo Sérgio para treinador na próxima temporada?

- Ser um treinador jovem, com ambição, bom currículo, boa liderança e uma boa equipa técnica, que é importante. Além disso, é uma pessoa muito disponível e com vontade de atirar o Sporting para a frente. É consistente e pode ajudar o Sporting a ter uma boa época.

- Há quem diga que é um treinador sem experiência ao mais alto nível, com pouco currículo. Outros preferiam um estrangeiro...Paulo Bento diz que Paulo Sérgio (foto) é um técnico “ambicioso”

- Nunca foi tão evidente que não havia unanimidade num tema destes. Talvez o José Mourinho... E, portanto, o máximo que ouvi foi que as pessoas acham que pode ser uma solução de risco, podia não ser uma solução confortável, mas não havia nomes evidentes, não havia soluções evidentes, porque também as pessoas, cada vez mais, acham que não há milagres. Há um conjunto de coisas que são necessárias para ganhar. Hoje, não é um treinador sozinho que faz milagres, mas também ficou claro - e isso de dia para dia tem-se notado - que é um nome cada vez mais pacífico e inequívoco. É também a manutenção de uma linha de treinadores portugueses, que foram aqueles que maioritariamente tiveram êxito no Sporting, numa Liga difícil, muito competitiva e que é importante conhecê-la.

- O facto de ser um treinador sem qualquer ligação anterior ao Sporting também pesou?

- Sim. Este ano foi um ano atípico. É devido todo o respeito ao treinador atual e tem havido respeito mútuo, entre a atual equipa técnica e o Sporting e vice-versa, porque as coisas são o que são e, apesar de tudo, foi feito um bom trabalho. Atendendo a todas as circunstâncias, era uma fase difícil e agradeço, claramente, o trabalho que tem sido feito. Seguramente, o treinador terá todas as razões para estar satisfeito. É legítima a ambição de querer continuar, mas, em todas as circunstâncias, também foi feita uma aposta que o valoriza a ele e o respeita. Não posso deixar de dizer que muitos daqueles que vieram agora em defesa do treinador Carlos Carvalhal, vieram muito tarde, porque na altura em que foi necessário defendê-lo com unhas e dentes, algumas das vozes que se levantam agora estiveram caladas.

- Essa onda de defesa de Carvalhal parecia estar em crescendo. Porque não foi por esse caminho de manter o treinador?

- Lembrei-me que há conjunturas, momentos e um conjunto de características que também me compete avaliar e ver das condições, se há ou não para continuar um tipo de trabalho. Olhei muito atentamente para o fenómeno Paulo Bento, quando ele disse com toda a clareza e de forma inequívoca que esteve quatro meses a mais no Sporting. Não tenho dúvida nenhuma de que alguns destes apoios seriam os primeiros a relembrar que não havia condições, na próxima época, se as coisas começassem a correr mal. Portanto, isto é tudo tão volátil, que não nos podemos deixar guiar por esse tipo de reações e temos de ser bastante frios nessa análise.

- Essa decisão foi tomada em consonância com Costinha?

- Foi uma decisão absolutamente colegial. Deixei claro que, nesta altura, o Costinha tem um papel muito importante na planificação da próxima época, mas em perfeita sintonia comigo. Aliás, brevemente iremos anunciar o novo modelo de governo, no qual estamos a trabalhar afincadamente. Infelizmente, só há o lado mais visível, que são os resultados do futebol. Mas há todo um trabalho de sapa que o Sporting precisava urgentemente de fazer, porque tem havido um modelo de governo altamente castrador até do próprio ambiente que se vive internamente e o ambiente que encontrei foi de cansaço, esgotamento e até um bocadinho de guerra civil. O Sporting tem vinte anos muito cansativos em termos de tensão... interna e externa.

- Esse ambiente de guerra civil teve reflexos na época do Sporting?

- Claramente. Há coisas de que me fui apercebendo ao longo da época. O desgaste que havia, por exemplo, ao nível da equipa técnica. Estes últimos quatro anos foram muito complicados. Este modelo de governo, esta incapacidade de haver um desenho estratégico comum levou a elementos de tensão, mesmo interna, sem esquecer toda a conjuntura externa, que faz com que o Sporting, nestes últimos anos, tenha sido constantemente bombardeado e isso prejudicou muito as pessoas que trabalham no dia-a-dia. A relação com o mercado, investidores, etc... porque a noção que veio para fora, de que o Sporting seria um clube ingerível ou ingovernável, também prejudicou o clube na sua relação com o exterior. Mas o que me preocupa mais nesta altura é perceber que o novo modelo de governo tem que ajudar, ser claro e inequívoco e, nesse aspeto, um novo Sporting vai nascer e dar possibilidade às pessoas de trabalharem de uma forma mais coordenada, com mais sinergias e atacarem os problemas que têm de ser atacados de forma inequívoca.

- Costinha tem correspondido às suas expectativas?

- Tem, claramente. Mas voltando um bocadinho atrás, posso adiantar que o modelo de governo é muito simples: consiste num Conselho Diretivo no formato em que temos hoje, com uma delegação de alguns poderes executivos numa comissão executiva extensiva a todo o universo e, portanto, a organização por sociedades dará lugar a uma organização por funções, ficando eu a acumular o pelouro de administração do futebol e o Costinha será o meu braço direito nessa área. Haverá outro pelouro com toda a componente Academia e formação, que tem na estratégia do Sporting uma importância extraordinária, com um modelo próprio de crescimento e desenvolvimento; e, depois, mais duas pessoas com mais dois pelouros. Uma com o comercial e outra com toda a parte de meios, financeira, recursos humanos, portanto, áreas de suporte ao negócio. Pela primeira vez, o Sporting terá um conjunto de responsabilidades transversais e uma forma de funcionamento mais complementar, com mais sinergias, para potenciar o negócio, otimizar a estrutura que temos. Esta visão transversal é o caminho que o Sporting necessitava urgentemente. Já pensava assim há muitos anos e constatei a conflitualidade interna e que o tipo de organização não ajudava. Na parte do futebol, Costinha vai ter um peso muito importante, vai-se integrar numa estrutura leve, com pouca gente e que será implantada na próxima época. Portanto, acho que também a outros níveis, que não só o futebol, este ano foi importante para me aperceber de determinadas incapacidades do clube na sua organização. Obviamente, terei a minha responsabilidade na parte desportiva, no futebol e não só. Presidirei à Comissão Executiva e também às modalidades. Darei a cara pelo futebol e, pelo menos, querendo ou não, há uma coisa que já mudou: haverá sempre um responsável quando as coisas correm mal. Já é um avanço.

- Na fase de escolha do futuro treinador, Paulo Sérgio era a primeira opção?

- Claramente, houve muitos nomes equacionados, ele estava numa lista de treinadores... Houve uns de que nós nos lembrámos, outros que vocês nos lembraram, outros de que não me tinha lembrado e passei a lembrar. Não há dúvida de que há sempre muita hipocrisia na gestão deste tipo de temas, mas as coisas foram feitas com transparência, para que toda a gente soubesse que o plano era este. Se o plano fosse outro, noutras circunstâncias, que um dia explicarei, e não podia ter feito de outra maneira, porque as coisas tinham de ser comunicadas, o mercado teria que ser informado. Esta componente de escolha de treinador é um tema muito sensível, considerado uma das primeiras prioridades no dever de informação que uma SAD tem, e as coisas tiveram de ser feitas. Os timings podem não ser os mais felizes, mas somos todos crescidos e sabemos viver com as regras tal como elas são. O processo acabou por ser transparente e verdadeiro. Pelo menos, admitam essa virtude, embora reconheça e atribua mérito ao Carlos Carvalhal e à sua equipa técnica, que foram inexcedíveis do ponto de vista de profissionalismo, competência e dedicação. Considero-o um bom treinador e têm sido profissionais até ao fim. E com respeito mútuo. As condições que lhe foram dadas foram totais. A memória é curta, mas houve um período em que fizeram justamente o contrário e acusaram-me de não ter dado a Paulo Bento as condições que dei a Carvalhal. Tudo isto vai virando, conforme os títulos desportivos, mas quem tem de tomar decisões, não lhes pode fugir, sabendo que não se pode agradar a todos. Porém, estou aqui, fundamentalmente, para ajudar a servir o Sporting e a defender os interesses do clube. É isso que me preocupa

- Disse há pouco que vai haver um Sporting novo. Isso também passa por muitas mudanças no plantel?

- Vamos ter tempo para procurar as soluções que mais nos interessem, reforçando de uma forma inequívoca a equipa, porque sabemos que temos de ter uma equipa que dê o máximo de garantias aos sócios. Esse é um dos meus empenhos claros, para além de outros. É preciso não esquecer que esta é uma fase de transição. Acabou uma determinada fase do Sporting. É preciso não esquecer que todo o projeto de reestruturação ficou em banho-maria e teve de ser tudo tratado novamente, porque os elementos que tinham sido comunicados prescreveram. Portanto, o nosso modelo de sustentabilidade teve de ser novamente redesenhado, explicado e considerado - isto, num período difícil, em que alguns concorrentes apostaram fortíssimo, em termos de investimento. Isso, em termos relativos, não nos ajudou tanto. Este é um ano em que esses dossiês vão ficar fechados, o que permite que o Sporting tenha um caminho mais realista, um desenho da sua estratégia mais claro e mais quantificado. Isto também teve de ser feito em grandes linhas: reforçar a equipa, redesenhar o modelo de sustentabilidade, defender o compromisso do ecletismo, nos moldes em que o defendi, e fechar o tema do pavilhão, que está a ser acompanhado em bom ritmo. Foram as quatro prioridades do mandato. Estão todas intactas. Com mais ou menos ajuda, vamos conseguir implementá-las. Era desejável que, nalguns sectores, houvesse mais responsabilidade, mas, se não houver, é um problema de quem é menos responsável, porque o meu dever é, acima de tudo, defender intransigentemente o Sporting. E, conhecendo agora com mais propriedade alguns dossiês, seria mais fácil que houvesse um bocadinho menos de conflitualidade e mais colaboração. A apropriação dos resultados pode servir para tudo. Eu não confundo a questão dos resultados, que foram muito fracos, com aquilo que o Sporting tem para fazer e com as mudanças estruturais de que precisa.

- Já o ouvimos dizer, diversas vezes, que não importa como começa, mas sim como acaba. Era necessário este "anuus horribilis" para serem criadas as condições para a mudança?

- O Sporting teve ali um período de perturbação, após o anúncio da não candidatura de Filipe Soares Franco, em janeiro de 2009, mas, quando se retoma esse tempo e as eleições são muito em cima da época, uma das coisas que acontece é que havia muito pouco tempo para, de uma forma estruturada e organizada, preparar a equipa para a época seguinte. Por outro lado, muitas das pessoas que tinham tido papel importante na estrutura do futebol estavam demissionárias, nomeadamente na SAD. Demovi essas pessoas da saída muito em cima do acontecimento e tudo isso criou uma certa perturbação e, quando Paulo Bento diz que esteve quatro meses a mais, se calhar um conjunto de pessoas que estavam com as malas feitas já não conseguiram recuperar a dinâmica nesses quatro meses. Por outro lado, houve coisas muito estranhas. A campanha da primeira jornada contra o Paulo Bento foi uma coisa claríssima, não foi um sentimento popular, porque, mesmo com as coisas a correrem mal, popularmente o Paulo foi uma pessoa defendida até hoje. Foi uma campanha setorial e sei quem participou nessa campanha. Houve o episódio Sá Pinto/Liedson, Izmailov... A desgraça atrai desgraça. O Sporting, às tantas, mereceu a desgraça que atraiu. Há coisas que não são responsabilidade de uma ou duas pessoas. Há responsabilidades muito divididas, mas isso não quer dizer que eu não assuma a responsabilidade do produto final. Houve coisas muito desagradáveis que aconteceram e que marcaram, de facto, a época.

- Consegue encontrar explicação para o episódio Izmailov?

- Explicação encontro para tudo. Nesta altura, não faz muito sentido voltar a esse tema. Prefiro esquecer-me de alguns dos assuntos desagradáveis, mas precisávamos de paz e serenidade e, por vezes, a paz só se consegue após algumas sacudidelas.

- Izmailov vai deixar o Sporting no final da época?

- Não vejo razão para que deixe o Sporting. Obviamente, tudo é negociável nesta vida, mas é, francamente, alguém de quem gostamos.

- Vukcevic vai despedir-se amanhã do Sporting?

- Acho que ainda vai esperar pelo meu regresso [risos]. Não me quero pronunciar sobre isso. Estamos a chegar ao defeso, vai ser um verão quente.

- Paulo Sérgio já falou convosco sobre jogadores?

- Não, temos um compromisso claro e inequívoco de que Paulo Sérgio tem o seu trabalho para fazer com o V. Guimarães, o mister Carlos Carvalhal para fazer com o Sporting e não houve qualquer conversa sobre essas matérias. Agora, a partir do momento em que acabe a época, todos vão ter interesse numa nova vida e, de uma forma mais aberta, começar a preparar-se a temporada. Mas, até agora, não houve rigorosamente nada. Nem houve tempo, porque ambas as equipas técnicas têm compromissos até final da época, que vão cumprir.

- Já se falou de 35 milhões de euros de orçamento para a próxima temporada. É um valor exequível?

- Não. Esse número não pode ser revelado e não faz muito sentido. No entanto, vamos encontrar os meios para pôr a equipa da forma que achamos mais conveniente, sem fazer loucuras absolutamente nenhumas, porque esse é um compromisso que tenho com os sócios do Sporting. Sabemos que, nos últimos anos, por diversas razões, se abriu um fosso muito grande entre o nível de despesa e investimento entre o Sporting e os seus rivais, sabemos que não vai ser possível reduzir muito esse intervalo, mas, desportivamente, temos mesmo de reduzir e vamos ser capazes de o fazer.

- Paulo Sérgio disse-lhe, durante as negociações, que quer ser campeão logo na primeira época. Confia nisso?

- Confio que vamos estar em condições de ser muito competitivos e de lutar do primeiro ao último minuto. Prometer o campeonato é pura demagogia, porque todos fazem o mesmo. Agora, ele quer e eu quero, porque sei bem a alegria que é, pois já provei esse sabor, e sei bem que é o gozo que todos estes sportinguistas merecem e precisam. Portanto, vamos fazer das tripas coração para provar esse sabor, que é o melhor. Um clube como o Sporting precisa de ganhar, precisa de renovar todas estas expectativas, esta esperança verde necessita de títulos. Sabemos que estamos naquela fase que é difícil e em que o Sporting pode começar um caminho, novamente, do ser ‘para o ano'. Eu não vou nisso. É preciso, isso sim, trabalho, capacidade e vontade de lutar do primeiro ao último minuto. E é nisso que temos de nos empenhar.